segunda-feira, 29 de julho de 2013

Antonio Gramsci


Antonio Gramsci (Ales, 22 de janeiro de 1891 — Roma, 27 de abril de 1937) foi um filósofo, político, cientista político, comunista e antifascista italiano.
Antonio Gramsci AFI: nasceu no norte da ilha mediterrânea da Sardenha. Era o quarto dos sete filhos de Francesco Gramsci, um homem que tinha vários problemas com a polícia. Sua família passou por diversas comunas da Sardenha até finalmente instalar-se em Ghilarza.
Tendo sido um bom estudante, Gramsci venceu um prêmio que lhe permitiu estudar literatura na Universidade de Turim. A cidade de Turim, à época, passava por um rápido processo de industrialização, com as fábricas da Fiat e Lancia recrutando trabalhadores de várias regiões da Itália. Os sindicatos se fortaleceram e começaram a surgir conflitos sociais-trabalhistas. Gramsci frequentou círculos comunistas e associou-se com migrantes sardos.
Sua situação financeira, no entanto, não era boa. As dificuldades materiais moldaram sua visão do mundo e tiveram grande peso na sua decisão de filiar-se ao Partido Socialista Italiano.
Gramsci, em Turim, tornou-se jornalista. Seus escritos eram basicamente publicados em jornais de esquerda como Avanti (órgão oficial do Partido Socialista). Sua prosa e a erística de suas observações lhe proporcionaram fama.
Sendo escritor de teoria política, Gramsci produziu muito como editor de diversos jornais comunistas na Itália. Entre estes, ele fundou juntamente com Palmiro Togliatti em 1919 L'Ordine Nuovo, e contribuiu para La Città Futura.
O grupo que se reuniu em torno de L'Ordine Nuovo aliou-se com Amadeo Bordiga e a ampla facção Comunista Abstencionista dentro do Partido Socialista. Isto levou à organização do Partido Comunista Italiano (PCI) em 21 de janeiro de 1921. Gramsci viria a ser um dos líderes do partido desde sua fundação, porém subordinado a Bordiga até que este perdeu a liderança em 1924. Suas teses foram adotadas pelo PCI no congresso que o partido realizou em 1926.
Em 1922 Gramsci foi à Rússia representando o partido, e lá conheceu sua esposa, Giulia Schucht, uma jovem violinista com a qual teve dois filhos.
Esta missão na Rússia coincidiu com o advento do fascismo na Itália, e Gramsci - que a princípio havia considerado o fascismo apenas como uma forma a mais de reação da direita - retornou com instruções da Internacional no sentido de incentivar a união dos partidos de esquerda contra o fascismo. Uma frente deste tipo teria idealmente o PCI como centro, o que permitiria aos comunistas influenciarem e eventualmente conseguirem a hegemonia das forças de esquerda, até então centradas em torno do Partido Socialista Italiano, que tinha uma certa tradição na Itália, enquanto o Partido Comunista parecia relativamente jovem e radical. Esta proposta encontrou resistências quanto a sua implementação, inclusive dos comunistas, que acreditavam que a Frente Única colocaria o jovem PCI numa posição subordinada ao PSI, do qual se tinha desligado. Outros, inversamente, acreditavam que uma coalizão capitaneada pelos comunistas ficasse distante dos termos predominantes do debate político, o que levaria ao risco do isolamento da Esquerda.
Em 1924, Gramsci foi eleito deputado pelo Veneto. Ele começou a organizar o lançamento do jornal oficial do partido, denominado L'Unità, vivendo em Roma enquanto sua família permanecia em Moscou.


Tumulo de Gramsci em Roma
Em 1926, as manobras de Estaline dentro do Partido Bolchevista levaram Gramsci a escrever uma carta ao Komintern, na qual ele deplorava os erros políticos da oposição de Esquerda (dirigida por Lev Davidovitsch Bronstein e Zinoviev) no Partido Comunista Russo, porém apelava ao grupo dirigente de Estaline para que não expulsasse os opositores do Partido. Togliatti, que estava em Moscou como representante do PCI, recebeu a carta e a abriu, leu e decidiu não entregá-la ao destinatário. Este facto deu início a um complicado conflito entre Gramsci e Togliatti que nunca chegou a ser completamente resolvido. Togliatti, posteriormente, divulgaria a obra de Gramsci após sua morte, mas evitou cuidadosamente qualquer menção às suas simpatias por Trotsky.
Em 8 de novembro de 1926, a polícia italiana prendeu Gramsci e o levou a prisão romana Regina Coeli. Foi condenado a 5 anos de confinamento (na remota ilha de Ústica); no ano seguinte ele foi condenado a vinte anos de prisão (em Turi, próximo a Bari, na Puglia). Sua saúde neste momento começava a declinar sensivelmente. Em 1932, um projeto para a troca de prisioneiros políticos entre Itália e União Soviética, que poderia dar a liberdade a Gramsci, falhou. Em 1934 sua saúde estava seriamente abalada e ele recebeu a liberdade condicional, após ter passado por alguns hospitais em Civitavecchia, Formia e Roma. Gramsci faleceu aos 46 anos, algum tempo depois de ter sido libertado.

Obras

A obra escrita de Antonio Gramsci é normalmente dividida cronologicamente em antes e depois da sua prisão pela ditadura fascista italiana.
No período pré-cárcere, Gramsci escreveu ensaios sobre literatura e teoria política, publicados em jornais operários e socialistas. No Brasil, uma parte destes textos foi publicado no livro Escritos políticos (Antonio Gramsci).
No período de cárcere, temos duas obras. As Cartas do cárcere, escritas para parentes e amigos e posteriormente reunidas para publicação. E os 32 Cadernos do Cárcere, de 2.848 páginas, não eram destinados à publicação. Trazem reflexões e anotações do tempo em que Gramsci esteve preso, que começaram a 8 de Fevereiro de 1929 e terminaram em Agosto de 1935, por conta dos seus problemas de saúde. Foi Tatiana Schucht, sua cunhada, que os enumerou, sem todavia levar em conta sua cronologia.
Depois do final da guerra, os Cadernos, revisados por Felice Platone, foram publicados pela editora Einaudi – juntamente com as cartas que, da prisão, escrevia a familiares – em seis volumes, ordenados por temas, com os seguintes títulos:
Il materialismo storico e la filosofia di Benedetto Croce 1948
Gli intellettuali e l'organizzazione della cultura 1949
Il Risorgimento 1949
Note sul Machiavelli, sulla política e sullo Stato moderno 1949
Letteratura e vita nazionale 1950
Passato e presente 1951
Foi somente em 1975, graças a Valentino Gerratana, que os Cadernos foram publicados segundo a ordem cronológica em que foram escritos. Também foram recolhidos no mesmo volume todos os artigos de Gramsci nas publicações Avanti!, Grido del popolo e L'Ordine nuovo.

Teoria

A influência póstuma de Gramsci encontra-se associada principalmente aos mais de trinta cadernos de análise que escreveu durante o período em que esteve na prisão. Estes trabalhos contêm seu pensamento sobre a história da Itália e nacionalismo, bem como ideias sobre teoria crítica e educacional que são frequentemente associadas com o seu nome, tais como:
Hegemonia cultural;
A ampliação da concepção Marxista de Estado;
A necessidade de educar os trabalhadores e da formação de intelectuais provenientes da classe trabalhadora, que ele denomina “intelectuais orgânicos”;
A distinção entre a sociedade política e a civil;
O historicismo absoluto;
A crítica do determinismo econômico;
A crítica do materialismo filosófico.
A análise do americanismo e do fordismo

Hegemonia / Bloco Hegemônico

Gramsci é famoso principalmente pela elaboração do conceito de hegemonia e bloco hegemônico, e também por focar o estudo dos aspectos culturais da sociedade (a chamada superestrutura no marxismo clássico) como elemento a partir do qual se poderia realizar uma ação política e como uma das formas de criar e reproduzir a hegemonia.
Alcunhado em alguns meios como o “marxista das superestruturas”, Gramsci atribuiu um papel central à diálise infraestrutura (base real da sociedade, que inclui forças de produção e relações sociais de produção)/ superestrutura ("ideologia", constituída pelas instituições, sistemas de ideias, doutrinas e crenças de uma sociedade), a partir do conceito de "bloco hegemônico".
Segundo esse conceito, o poder das classes dominantes sobre o proletariado e todas as classes dominadas dentro do modo de produção capitalista, não reside simplesmente no controlo dos aparatos repressivos do Estado. Se assim fosse, tal poder seria relativamente fácil de derrocar (bastaria que fosse atacado por uma força armada equivalente ou superior que trabalhasse para o proletariado). Este poder é garantido fundamentalmente pela "hegemonia" cultural que as classes dominantes logram exercer sobre as dominadas, através do controle do sistema educacional, das instituições religiosas e dos meios de comunicação. Usando deste controlo, as classes dominantes "educam" os dominados para que estes vivam em submissão às primeiras como algo natural e conveniente, inibindo assim sua potencialidade revolucionária. Assim, por exemplo, em nome da "nação" ou da "pátria", as classes dominantes criam no povo o sentimento de identificação com elas, de união sagrada com os exploradores, contra um inimigo exterior e a favor de um suposto "destino nacional" de uma sociedade concebida como um todo orgânico desprovido de antagonismos sociais objetivos. Assim se forma um "bloco hegemônico" que amalgama a todas as classes sociais em torno de um projeto burguês. O poder hegemônico combina e articula a coerção e o consenso.
A hegemonia é o conceito que permite compreender o desenrolar da história italiana e da Ressurreição particularmente, que poderia ter adquirido um carácter revolucionário se contasse com o apoio de vastas massas populares, em particular dos camponeses, que constituíam a maioria da população. Limitou o alcance da revolução burguesa em Itália o facto de não ser guiada por um partido jacobino, como em França, onde a participação camponesa, apoiando a revolução, foi decisiva para a derrota das forças da reação aristocrática.

A hegemonia na história italiana

O partido político mais avançado foi o Partido da Ação, de Mazzini e Garibaldi, que não teve, todavia, a capacidade de pleitear uma aliança das forças burguesas progressistas com o campesinato: Garibaldi na Sicília distribuiu as terras entre os camponeses, porém os próprios garibaldinos esmagaram sem piedade os movimentos de insurreição dos campesinos contra os barões da terra.
O Partido da Ação desempenhou um papel de elemento progressista nas labutas da Ressurreição, mas não de força dirigente, porque foi liderado pelos moderados, tanto que os cavourianos conseguiram encabeçar a revolução burguesa, absorvendo tanto os radicais como os adversários destes. Isto ocorreu porque os moderados cavourianos mantiveram uma relação orgânica assim com seus intelectuais, como com seus políticos, proprietários rurais e dirigentes industriais. As massas populares tiveram papel de espectadores no acordo entre os capitalistas do norte e os latifundiários do sul. Para conquistar a hegemonia no lugar dos moderados, liderados por Cavour, o Partido da Ação deveria ter-se “ligado às massas rurais, especialmente as do sul, ser jacobino [.] especialmente no conteúdo econômico-social. A união das várias classes rurais em um bloco reacionário, através de diversos núcleos intelectuais legitimistas-clericais, poderia ser dissolvida pelo advento de uma nova formação liberal-nacional, somente se se fizessem esforços voltados para duas frentes: para base camponesa, aceitando suas reivindicações, e, segundo, para os intelectuais dos estratos meios e inferiores.”
A supremacia de um grupo social se manifesta por dois modos: primeiro, pelo domínio e, segundo, pela direção intelectual e moral. Um grupo social domina os grupos adversários que tenda liquidar ou a submeter inclusive com a força armada e dirige os grupos afins e aliados. Um grupo social pode e deve ser dirigente antes de conquistar o poder governamental: esta, aliás, é uma das condições principais para a própria conquista do poder. Posteriormente, quando exerce o poder, torna-se dominante, mas deve continuar sendo dirigente também.
Analisando o processo da Ressurreição, Gramsci considera que a função de classe dirigente ficou com Piemonte, ainda que existissem em Itália núcleos de classe dirigente favoráveis à unificação, “estes núcleos nada queriam dirigir, isto é, não queriam conciliar seus interesses e aspirações com os de outros grupos. Queriam dominar, não dirigir e, todavia, queriam que seus interesses prevalecessem, não suas próprias pessoas, isto é, queriam que uma força nova, independente de todo compromisso e condição, se torna-se árbitra da Nação: esta força foi Piemonte”, que teve uma função comparável à de um partido.
“Este facto é da máxima importância para o conceito de revolução passiva, pois não foi um grupo social o dirigente de outros grupos, sim um estado, ao mesmo tempo limitado como potência e dirigente do grupo que deveria ser dirigente e pudesse pela disposição deste um exército e uma força político-diplomática… É um dos casos nos quais se tem a função de domínio e não de direção destes grupos, ditadura sem hegemonia.”

As classes subalternas

A hegemonia é, portanto, o exercício das funções de direcção intelectual e moral unida àquela do domínio do poder político. O problema para Gramsci está em compreender como pode o proletariado ou em geral uma classe dominada, subalterna, tornar-se classe dirigente e exercer o poder político, ou seja, converter-se em uma classe hegemônica.
As classes subalternas – subproletariado, proletariado urbano, rural e também a pequena burguesia – não estão unidas e sua união ocorre somente quando “se convertem em Estado”, quando chegam a dirigir o Estado, de outra forma desempenham uma função descontinua e desagregada na história da sociedade civil dos estados singulares. Sua tendência à unificação “se despedaça continuamente por iniciativa dos grupos dominantes” dos quais elas “sofrem sempre a iniciativa, ainda quando se rebelam e se insurgem”.
A hegemonia é exercida unindo-se um bloco social – criando então a aliança política de um conglomerado de classes sociais diferentes. Em Itália, o bloco social não é homogéneo, sendo formado por industriais, proprietários rurais, classes médias e parte pequena da burguesia. Este bloco é, portanto, sempre entrecortado por interesses divergentes. Mas, mediante uma política, uma cultura e uma ideologia ou um sistema de ideologias, impedem que os conflitos de interesses, permanentes até quando são latentes, expludam, provocando a crise da ideologia dominante e uma decorrente crise política do sistema de poder.
A crise da hegemonia se manifesta quando, ainda que mantendo o próprio domínio, as classes sociais politicamente dominantes não conseguem mais ser dirigentes de todas as classes sociais, isto é não conseguem resolver os problemas de toda a colectividade e a impor a toda a sociedade a própria complexa concepção do mundo. A classe social subalterna, se consegue indicar soluções concretas aos problemas deixados sem solução, torna-se dirigente e, expandindo sua própria cosmovisão a outros estratos sociais, cria um novo bloco social, que se torna hegemônico. Para Gramsci, o momento revolucionário volta-se inicialmente para o nível da superstrutura, em sentido marxista, isto é, político, cultural, ideal, moral. Mas, trespassa a sociedade em sua complexidade, indo ao encontro com sua estrutura econômica, isto é, todo o bloco histórico— termo que para Gramsci indica o conglomerado da estrutura e da superstrutura, as relações sociais de produção e seus reflexos ideológicos.
Em Itália, o exercício da hegemonia das classes dominantes sempre foi parcial: entre as forças que contribuem à conservação do bloco social estão a Igreja Católica, que se bate para manter a unidade doutrinária de modo e evitar entre os fiéis fracturas irremediáveis que no entanto existem e que ela não pode sanar, mas somente controlar: “A Igreja romana foi sempre a mais tenaz na luta para impedir que oficialmente se formem duas religiões, uma dos intelectuais e outra das almas simples”. Luta que, se por um lado, teve graves consequências, conectadas “ao processo histórico que transforma toda a sociedade civil e que em bloco contem uma crítica corrosiva das religiões”, por outro, fez ressaltar “a capacidade organizadora na esfera da cultura do clero” que deu “certas satisfações às exigências da ciência e da filosofia, mas com um ritmo tão lento e metódico que as mutações não são percebidas pela massa dos simples, ainda que estas pareçam revolucionárias e demagógicas aos fundamentalistas.”
Nem mesmo a cultura de timbre idealista, que, ao tempo de Gramsci, era dominante e exercida pelas escolas filosóficas crocianas e gentilianas, “soube criar uma unidade ideológica entre o baixo e o alto, entre os simples e os intelectuais”. Tanto é que esta cultura, ainda que considerando a religião uma mitologia, não ao menos “tentou construir uma concepção que pudesse substituir a religião na educação infantil”, e estes pedagogos, ainda que não fossem religiosos nem confessionais, ou mesmo que fossem ateus, “concordam com o ensino religioso porque a religião é a filosofia da infância da humanidade, que se renova em cada infância não metafórica”. Também a cultura laica “dominante” utiliza pois a religião, porque não trata do problema de elevar às classes populares ao nível das dominantes, mas, ao contrário, quer mantê-la em uma posição subalterna.

Consciência de classe

A fractura entre os intelectuais e os simples pode ser sanada por uma política que “não tenda manter os simples em sua filosofia primitiva do sentido comum, mas, ao invés disso, que os leve a uma concepção superior da vida”. A ação política empreendida pela “filosofia da práxis” (como Gramsci chama o marxismo), opondo-se às culturas dominantes da Igreja e do idealismo, pode elevar os subalternos a uma “consciência superior da vida. Isto afirma a exigência do contacto entre os intelectuais e os simples, que não é para limitar a atividade científica ou por manter uma unidade ao baixo nível das massas, mas para construir um bloco intelectual e moral que torne politicamente possível um progresso intelectual de massa e não somente de escassos grupos intelectuais.” Logo, a via para a hegemonia do proletariado passa por uma reforma cultural e moral da sociedade.
Porém, “o homem ativo da massa”, isto é a classe operária, em geral não é cônscia nem da função que pode desempenhar nem da sua condição real de subordinada. O proletariado, de acordo com Gramsci, “não tem uma clara consciência teórica de sua forma de trabalhar, que também é um conhecimento do mundo enquanto o transforma. Assim, sua consciência teórica até pode estar conflito com sua forma de trabalhar”. Ele trabalha de modo prático e ao mesmo tempo tem uma consciência teórica herdada do passado, que ele acolhe de modo acrítico. A real compreensão crítica de si mesmo ocorre “através de uma luta de hegemonias políticas, de direções conflituosas, primeiro no campo da ética, logo da política para chegar a uma elaboração superior da própria concepção do real”. A consciência política, isto é, o ser parte de uma determinante força hegemônica, constitui “a primeira fase para uma ulterior e progressiva autoconsciência onde teoria e prática finalmente se unem”.
Mas, a autoconsciência crítica implica a criação de uma elite de intelectuais, pois para distinguirem-se e fazerem-se independentes, o proletariado necessita de organização e esta não existe sem intelectuais, “um estrato de pessoas especializadas na elaboração conceitual e filosófica”.

O Partido Político

Maquiavel já enxergava nos Estados unitários europeus modernos a experiência pela qual passaria a própria Itália, para superar a dramática crise emergida das guerras que devastaram a península desde os finais do século XV. O príncipe de Maquiavel “não existia na realidade histórica, não se apresentava ao povo italiano de modo imediato e objectivo. Era uma pura abstração doutrinária, o símbolo do chefe, do líder ideal. Mas os seus elementos passionais, míticos… se resumem e se tornam vivos ao final, na invocação de um príncipe realmente existente”.
Ao tempo de Maquiavel, em Itália não houve uma monarquia absoluta que unificasse a nação, porque, segundo Gramsci, na dissolução da burguesia comunal se criou uma situação interna econômico-corporativa, politicamente “a pior das formas de sociedade feudal, a forma menos progressista e mais estancada; faltou sempre, e não se podia constituir, uma força jacobina eficiente, a força precisa que em outras nações insuflou e organizou a vontade colectiva nacional-popular e fundou os estados modernos”.
A esta força progressista se opôs em Itália a “burguesia rural, herança do parasitismo deixado nos tempos modernos pela derrota, como classe, da burguesia comunal”. As forças progressistas são os grupos sociais urbanos com um determinado nível de cultura política. Todavia, não será possível a formação de uma vontade colectiva nacional-popular, “se as grandes massas de campesinos trabalhadores não irrompem simultaneamente na vida política. Isso Maquiavel pretendia alcançar através da reforma das milícias, isto fizeram os jacobinos na Revolução Francesa; Compreendendo isto, identifica-se um jacobinismo precoce em Maquiavel.. “.
Modernamente, o Príncipe invocado por Maquiavel não pode ser um indivíduo real, concreto, mas antes um organismo e “este organismo já vem do desenvolvimento histórico e é o partido político: a primeira célula na qual se resumem as sementes de vontade colectiva que almejam tornar-se universais e totais”; o partido é o organizador de uma reforma intelectual e moral, que concretamente se manifesta com um programa de reforma econômica, tornando-se assim “a base de um laicismo moderno e de uma completa laicização de toda a vida e de todas as relações de costumes”.
Para que um partido exista e se faça historicamente necessário, devem confluir nele três elementos fundamentais:
"Um elemento difuso, de homens comuns, médios, cuja participação seja a contribuição pela disciplina e pela fidelidade, não pelo espírito criativo e altamente organizador. eles são uma força enquanto houver quem os centralize, organize, discipline, porém, na ausência desta força coesiva, se dispersariam e se anulariam em uma poeira impotente.”.
“O elemento coesivo principal. dotado de força altamente coesiva, centralizadora e disciplinadora e também, ou por isto mesmo, inventiva. com apenas este elemento não se formaria um partido, mas um partido se forma mais com ele do que com o primeiro elemento considerado. Fala-se de capitães sem exército, mas na realidade é mais fácil formar um exército que os capitães.
“Um elemento médio, que articule o primeiro elemento com o segundo, que os coloque em contacto, não apenas física, mas moral e intelectualmente.”.

Os Intelectuais e a educação

Gramsci examinou de perto o papel dos intelectuais na sociedade: todo homem é um intelectual, já que todos têm faculdades intelectuais e racionais, mas nem todos têm a função social de intelectuais. Ele propôs a ideia de que os intelectuais modernos não se contentariam mais de apenas produzir discursos, mas estariam engajados na organização das práticas sociais.
Segundo sua análise, “não há atividade humana da qual se possa excluir de toda intervenção intelectual, não se pode separar o ‘homo faber’ do ‘homo sapiens’” enquanto, independentemente de sua profissão específica, cada um é a seu modo “um filósofo, um artista, um homem de gosto, participa de uma concepção do mundo, tem uma consciente linha moral”, Mas, nem todos os homens têm na sociedade a função de intelectuais.
Historicamente se formam categorias particulares de intelectuais, “especialmente em relação aos grupos sociais mais importantes e passam por processos mais extensos e complexos em conexão com o grupo social dominante”. Gramsci, então, distingue entre uma “intelectualidade tradicional” que, sem razões, se considera uma classe distinta da sociedade e os grupos intelectuais que cada classe gera “organicamente”. Estes últimos não descrevem a vida social simplesmente por regras científicas, mas de preferência exprimem as experiências e os sentimentos que as massas por si mesmas não conseguem exprimir.
O intelectual tradicional é o literato, o filósofo, o artista e por isso, diz Gramsci, “os jornalistas, que acreditam ser literatos, filósofos e artistas, também acreditam ser os verdadeiros intelectuais”, enquanto que modernamente é a formação técnica a que serve como base do novo tipo de intelectual, um “construtor, organizador, persuasor”, que deve partir “da técnica-trabalho para a técnica-ciência e a concepção humano-histórica, sem a qual permanece especialista e não se torna dirigente”. O grupo social emergente, que labuta por conquistar a hegemonia política, almeja conquistar a própria ideologia intelectual tradicional, ao mesmo tempo que forma seus próprios intelectuais orgânicos.
A organicidade do intelectual se mede pela maior ou menor conexão que mantém com o grupo social ao qual se relaciona: eles operam, tanto na sociedade civil quanto na sociedade política ou estado. A primeira representa o conjunto dos organismos privados nos quais se debatem e se difundem as ideologias necessárias para a aquisição do consenso que aparentemente surge de modo espontâneo das grandes massas da população em torno às decisões do grupo social dominante. A segunda é onde se exerce o “domínio direto do comando que se expressa no Estado e no regime jurídico”. Os intelectuais são como “apostadores do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do regime político”. Assim como o Estado, que na sociedade política almeja unir os intelectuais tradicionais com os orgânicos, também, na sociedade civil, o partido político forma “os próprios componentes, elementos de um grupo social que nasce e se desenvolve como econômico, até convertê-los em intelectuais políticos qualificados, dirigentes, organizadores de todas as atividades e as funções inerentes ao desenvolvimento orgânico de uma sociedade integral, civil e política”.
A necessidade de criar uma cultura própria dos trabalhadores relaciona-se com o apelo de Gramsci por um tipo de educação que permite o surgimento de intelectuais que partilhem das paixões das massas de trabalhadores. Neste aspecto, os adeptos da educação adulta popular tomam Gramsci como uma referência. Seu sistema educacional pode ser definido dentro do âmbito da pedagogia crítica e a educação popular teorizadas e praticadas mais contemporaneamente pelo brasileiro Paulo Freire.

Literatura Nacional Popular

Se os intelectuais podem ser mediadores de cultura e de consenso para os grupos sociais, uma classe politicamente emergente deve valer-se de intelectuais orgânicos, para a valorização de seus valores culturais, até poder impô-los à sociedade inteira.
Para Gramsci, uma crítica literária deve fundir, como De Sanctis fez, a crítica estética com a labuta por uma cultura nova, criticando os costumes, os sentimentos e as ideologias expressas na história da literatura. Não por acaso, Gramsci esboça nos cadernos um ensaio que intitula “os sobrinhos do padre Bresciani”. Antonio Bresciani (1798-1862), jesuíta, fundador da revista “A Cultura Católica”, foi um escritor de contos populares de carácter reacionário. Um destes, “O judeu de Verona”, foi criticado em um célebre ensaio de De Sanctis. Os sobrinhos do padre Bresciani são os intelectuais e os literatos contemporâneos portadores de uma ideologia reacionária.
Entre os “sobrinhos” Gramsci inclui muitos escritores já esquecidos, como Antonio Beltramelli, Ugo Ojetti, Alfredo Panzini, Goffredo Bellonci, Massimo Bontempelli, Umberto Fracchia, Adelchi Baratono, Riccardo Bacchelli, Salvatore Gotta, Giuseppe Ungaretti, etc.

A Crítica a Croce

Benedetto Croce, o intelectual mais respeitado de sua época, foi quem, na visão de Gramsci, deu à burguesia italiana os instrumentos culturais mais refinados para demarcar os limites entre os intelectuais e a cultura italiana, por uma parte, e o movimento operário e socialista por outra. Faz-se então necessário expor e combater a sua função de maior representante da hegemonia cultural que o bloco social dominante exerce em relação ao movimento operário italiano. Croce combate o marxismo tratando de negar a validade do elemento que considera decisivo: o referente à economia. O Capital de Marx seria para ele uma obra de moral e não de ciência, uma tentativa de demonstrar que a sociedade capitalista é imoral, diferente da comunista, na qual se realizaria a moralidade plena humana e social. A carência de cientificidade da obra principal de Marx estaria demonstrada pelo conceito de mais valia: para Croce, somente desde um ponto de vista moral se pode falar de mais valia, em comparação ao valor, legítimo conceito econômico.
Esta crítica de Croce é em verdade um simples sofisma: os conceitos de mais valia e o de valor são o mesmo. É a diferença entre o valor das mercadorias produzidas pelo trabalhador e o valor da força de trabalho do próprio trabalhador. A teoria do valor de Marx se deriva diretamente da do economista inglês David Ricardo, cuja teoria do valor-trabalho “não causou nenhum escândalo quando foi formulada, porque então não representava nenhum perigo, parecia apenas, como de facto era, uma constatação puramente objectiva e científica. O valor polêmico e de educação moral e política, para não perder sua objectividade, devera adquiri-la apenas com a Economia Crítica [O Capital]”.
A filosofia crociana é um tipo de historicismo, ou seja, como concebe Vico, a realidade é história e tudo o que existe é necessariamente histórico. Porém, de acordo com a natureza idealista de sua filosofia, a história é a do espírito e, portanto, especulativa, de abstração, da liberdade, da cultura e do progresso. Não é a história concreta das nações e das classes:
“A história especulativa pode ser considerada como um retrocesso, em formas literárias feitas com mais astúcia e menos ingênuas, que o desenvolvimento da capacidade crítica, com formas de história em descrédito, como jogos de palavras vazios e registrados em diversos livros do próprio Croce. A história ético-política, enquanto prescinde do conceito de bloco histórico [união de estrutura e superstrutura no sentido marxista], onde conteúdo econômico-social e forma ético-política se identificam concretamente pela reconstrução de vários períodos históricos, não se trata de nada mais que de uma apresentação polêmica de pensamentos mais ou menos interessantes, mas não é história. [.] A história de Croce apresenta-se como figuras desossadas, sem esqueleto, das carnes flácidas e decadentes até mesmo debaixo do vermelho das veias literárias dos escritores.”
A atuação conservadora do Croce histórico forma um binômio com a do Croce filósofo: se a dialéctica do idealista Hegel era uma dialéctica dos contrários – um desenvolvimento da história que procede por contradições – a dialéctica crociana é uma dialéctica dos distintos: comutar a contradição em distinção significa operar uma atenuação, se não uma anulação, dos conflitos que na história e nas sociedades se apresentam. Para Gramsci, tal atenuação ou anulação se manifesta nas obras históricas de Croce: sua História da Europa, iniciando em 1815 e ignorando o período da Revolução Francesa e o império napoleônico, “não é outra coisa que um fragmento de história, o aspecto passivo da grande revolução que se iniciou em França em 1789, desembocou no resto da Europa com os exércitos republicanos e napoleônicos, dando fortes ombradas aos velhos regimes e determinando não a sua queda imediata, como em França, mas antes a corrosão reformista que durou até 1870”.
Do mesmo modo, sua História da Itália de 1871 a 1915 “prescinde do momento da labuta, do momento no qual se elaboram, reúnem e dispõem as forças em conflito no qual um sistema ético-político se dissolve e outro se elabora no qual um sistema de relações sociais se desconecta e cai e outro sistema surge e se afirma. Ao invés disso, Croce toma placidamente como história o momento de crescimento cultural ou ético-político”.

Materialismo Histórico

Por acreditar que a história humana e a práxis colectiva determinam se uma questão filosófica é relevante ou não, Gramsci opõe-se ao materialismo metafísico e cola-se à teoria da percepção Engels e Lenine, se bem que não deixa isto explícito. Para Gramsci, o Marxismo não lida com uma realidade que existe em si e por si, independente da humanidade. O conceito de um universo objectivo fora da história e da práxis humanas era, a seu ver, análogo à crença em Deus. Não poderia existir a objectividade, mas somente uma intersubjetividade universal, a ser construída numa sociedade futura. A história natural, portanto, só teria sentido em relação à história humana.
Gramsci, desde os anos universitários, foi um decidido opositor da concepção fatalista e positivista do marxismo, presente no velho partido socialista, para a qual o capitalismo necessariamente estava destinado a cair, dando lugar a uma sociedade socialista. Esta concepção mascarava a impotência política do partido da classe subalterna, incapaz de tomar a iniciativa para a conquista da hegemonia.
Ainda que o manual do bolchevique russo Nikolai Bukharin, editado em 1921, A teoria do materialismo histórico, manual popular de sociologia, se coloque no mesmo filão positivista, “a sociologia foi uma tentativa de criar um método da ciência histórico-política, na dependência de um sistema filosófico já elaborado, o positivismo evolucionista converteu-se na filosofia de não-filósofos, uma tentativa de descrever e classificar esquematicamente os factos históricos, segundo critérios construídos sobre o modelo das ciências naturais. A Sociologia é pois uma tentativa de obter experimentalmente as leis da evolução da sociedade humana de modo a prever o futuro com a mesma certeza com a qual se prevê que de uma bolota nascerá uma azinheira. O evolucionismo vulgar está na base da sociologia que não pode conhecer o princípio dialéctico com a passagem da quantidade à qualidade, passagem que desconcerta toda evolução e toda lei de uniformidade entendida no sentido evolucionista vulgar”.
A compreensão da realidade como desenvolvimento da história humana somente é possível utilizando a dialéctica marxista, da qual não trata o manual de Bukharin, porque ela capta tanto o sentido tanto das vivências humanas como do seu carácter efémero, sua historicidade, determinada da práxis, da ação política, que transforma as sociedades.
Por si mesmas as sociedades não se transformam. Marx notara que nenhuma sociedade enfrenta questões sem que já possua, ou esteja em vias de obter, as condições de solucioná-las. Nem tampouco se desfaz uma sociedade sem que primeiro tenha desenvolvido todas as formas de vida nela subjacentes. Ao revolucionário se coloca o problema de identificar com exatidão as relações entre infraestrutura e superstrutura para chegar a uma análise correta das forças que operam na história de um determinado período. A ação política revolucionária, a práxis, para Gramsci é outrossim uma catarse que indica a “passagem do momento meramente econômico (ou egoísta-passional) ao ético-político, que é a elaboração superior da estrutura em superstrutura na consciência humana. Isto equivale também à transição “do objectivo para o subjectivo” e da “necessidade para a liberdade”. A infraestrutura, que, pela força exterior que oprime o homem, assimila-o a si mesma, tornando-o passivo, se transforma assim em meio de libertação, em instrumento para criar uma nova forma ético-política, em causa de novas iniciativas. A fixação do momento “catártico” torna-se então, segundo me parece, o ponto de partida de toda filosofia da práxis. O processo catártico coincide com a cadeia de sínteses que resultam do desenvolvimento dialéctico.”
A dialéctica é pois um instrumento de investigação histórica, que supera a visão naturalista e mecanicista da realidade, é união da teoria com a práxis, de conhecimento e ação. A dialéctica é “doutrina do conhecimento e substância medular da historiografia e da ciência da política” e pode ser compreendida somente concebendo o marxismo “como uma filosofia integral e original que inicia uma nova fase na história e no desenvolvimento mundial enquanto supera (e superando inclui em si os elementos vitais) tanto o idealismo quanto o materialismo tradicionais, expressões da velhas sociedades. Se a filosofia da práxis, ou seja, o marxismo, não se pensa como subordinada a outra filosofia, não se pode conceber a nova dialéctica, na qual precisamente tal superação se efetua e se exprime”.
O velho materialismo é metafísica. Para o senso comum, a realidade é objectiva, existente independentemente do sujeito, é um obvio axioma, confortado pela afirmação da religião pela qual o mundo, criado por Deus, se encontra já dado à nossa frente. Mas, para Gramsci, está excluída “a concepção da realidade objectiva do mundo externo na sua forma mais trivial e acrítica” a partir do momento em que “a esta se pode colocar a objecção do misticismo”..8 Se conhecemos a realidade enquanto homens, e sendo nós mesmos produtos da história, também o são a consciência e a realidade.
Como poderia de facto existir uma objectividade extra-histórica e extra-humana e quem julgará tal objectividade? “A formulação de Engels que a unidade do mundo consiste na materialidade, demonstrada pelo largo e laborioso desenvolvimento da filosofia das ciências naturais, contem precisamente a semente da concepção correta, porque refere-se à história e ao homem para demonstrar a realidade objectiva. Objectivo significa sempre humanamente objectivo, isto é, que pode corresponder exatamente a historicamente objectivo [.]. O homem conhece objetivamente enquanto o conhecimento é real para todo o gênero humano, historicamente unificado num sistema cultural unitário. Mas, este processo de unificação histórica virá com o desaparecimento das contradições internas que são a condição da formação dos grupos e do nascimento das ideologias. Há, portanto, uma luta pela objectividade (para livrar-se das ideologias parciais e falazes) e esta labuta é a mesma labuta para a unificação cultural do género humano. Ao que os idealistas chamam de espírito, não é o ponto de partida, mas de chegada, o conjunto das superstruturas num futuro em direção a uma unificação concreta e objetivamente universal e não mais um pressuposto unitário.”

O Estado e a sociedade civil

A teoria da hegemonia de Gramsci está ligada à sua concepção do estado capitalista, que, segundo afirma, exerce o poder tanto mediante a força quanto o consentimento. O estado não deve ser entendido no sentido estreito de governo. Gramsci divide-o entre a sociedade política, que é a arena das instituições políticas e do controlo legal constitucional, e a sociedade civil, que se vê comummente como uma esfera 'privada' ou 'não-estatal', e que inclui a economia. A primeira é o âmbito da força e a segunda o do consentimento.
Não obstante, Gramsci esclarece que a divisão é meramente conceptual e que as ambas podem mesclar-se na prática. Gramsci afirma que sob o capitalismo moderno, a burguesia pode manter seu controlo econômico permitindo que a esfera política satisfaça certas demandas dos sindicatos e dos partidos políticos de massas da sociedade civil. Assim, a burguesia leva a cabo uma revolução passiva, ao ir muito aquém dos seus interesses econômicos e permitir que algumas formas de sua hegemonia se vejam alteradas. Gramsci dava como exemplos disto movimentos como o reformismo e o fascismo, e bem assim a 'administração científica' e os métodos da linha de montagem de Frederick Taylor e Henry Ford.
Seguindo Maquiavel, Gramsci argumenta que o 'Príncipe moderno' -o partido revolucionário- é a força que permitirá que a classe operária desenvolva intelectuais orgânicos e uma hegemonia alternativa dentro da sociedade civil. Para Gramsci, a natureza complexa da sociedade civil moderna implica que a única táctica capaz de minar a hegemonia da burguesia e chegar-se ao socialismo é uma 'guerra de posições' (análoga à guerra de trincheiras), A 'guerra em movimento' (o ataque frontal) levado a cabo pelos bolcheviques foi uma estratégia mais apropriada à sociedade civil 'primordial' existente na Rússia Czarista.
Apesar de sua afirmação de que a fronteira entre as duas é nebulosa, Gramsci alerta contra a adoração ao estado que resulta do identificar a sociedade política com a sociedade civil, como no caso dos jacobinos e os fascistas. Ele acredita que a tarefa histórica do proletariado é criar uma sociedade regulada e define a 'tendência do estado a desaparecer' como o pleno desenvolvimento da capacidade da sociedade civil para regular-se a si própria.

Historicismo

Gramsci, a exemplo de Marx quando moço, enfaticamente defendia o historicismo. A partir desta perspectiva, todo significado se deriva da relação entre a atividade prática (ou 'práxis') e os processos sociais e históricos 'objetivos' dos quais formamos parte. As ideias não podem ser entendidas fora do contexto histórico e social, à parte de sua função e origem. Os conceitos com os quais organizamos nosso conhecimento do mundo não derivam primordialmente de nossa relação com as cousas, mas das relações sociais entre os usuários destes conceitos. Logo, não há algo como que uma 'natureza humana' que não muda, mas uma mera ideia desta que muda historicamente. Ademais, a filosofia e a ciência não 'refletem' uma realidade independente do homem, mas são 'verdadeiras' à medida que expressam o processo de desenvolvimento real de uma situação histórica determinada. A maioria dos marxistas sustenta a opinião do senso comum de que a verdade é a verdade sem importar quando e onde se conheça, e que o conhecimento científico (que inclui o marxismo) se acumula historicamente como o progresso da verdade neste sentido quotidiano. Portanto, não pertenceria ao domínio ilusório da superstrutura. Para Gramsci, não obstante, o marxismo era 'verdadeiro' no sentido pragmático social, em que, ao articular a consciência de classe do proletariado, expressa a 'verdade' de sua época melhor que qualquer outra teoria. Tal posição anticientífica e antipositivista devia-se provavelmente à influência de Benedetto Croce. Ainda que Gramsci repudiasse esta possibilidade, sua descrição histórica da verdade foi criticada como uma forma de relativismo.

Crítica do Economicismo

Num famoso artigo escrito antes de sua prisão, intitulado 'A Revolução contra O Capital ', Gramsci afirma que a revolução bolchevique representava uma revolução contra o livro clássico de Karl Marx, considerado o guia básico da social-democracia e do movimento operário antes de 1917. Ia contra várias premissas fazer uma revolução socialista em um país atrasado como a Rússia, que não reunia a condições econômicas e sociais que se consideravam indispensáveis para a transição ao socialismo. O principio da primordialidade das relações de produção, dizia, era uma má interpretação do marxismo. Tanto as mudanças econômicas como as culturais são expressões de um 'processo histórico básico', e é difícil dizer qual esfera tem maior importância. Para Gramsci, a crença fatalista, comum entre o movimento operário em seus primeiros anos, de que triunfaria inevitavelmente devido a 'leis históricas', era o produto de circunstâncias de uma classe oprimida, restrita principalmente à ação defensiva, e seria abandonada como um obstáculo uma vez que a classe operária pudesse tomar a iniciativa. A 'filosofia da práxis' não pode confiar em 'leis históricas' invisíveis como os agentes da mudança social. A história define-se pela práxis humana e portanto inclui o alvedrio humano. Não obstante, o poder da vontade apenas não pode conseguir nada que se queira em uma situação determinada: quando a consciência da classe operária alcançar o nível de desenvolvimento necessário para a revolução, as circunstâncias históricas que se encontrarão serão tais que não se poderão alterar arbitrariamente. De qualquer modo, não se pode predeterminar, por inevitabilidade histórica, qual dentre os muitos possíveis desenvolvimentos tomará lugar.

Influências


Inobstante o facto do pensamento de Gramsci originar-se na esquerda organizada, ele é outrossim uma figura importante para as discussões nos estudos culturais e teoria crítica. Ademais, seus conceitos também têm inspirado teóricos políticos assim de centro como de direita, sendo a sua ideia de hegemonia muito citada. Essa influência é muito sentida em ciência política atualmente, por exemplo, quando se aborda o tema da prevalência do pensamento neoliberal entre as elites políticas: é o chamado Neo-Gramscianismo. Por fim, seu trabalho fortemente influenciou o discurso de intelectuais acerca da cultura popular e dos estudos acadêmicos desta, por nele encontrarem potencial para a resistência política ou ideológica aos interesses dominantes dos governos e do poder econômico.
Pensadores importantes para Gramsci[editar]
Dante Alighieri
Niccolò Machiavelli
Giambattista Vico
Georg Wilhelm Friedrich Hegel
Karl Marx
Friedrich Engels
Antonio Labriola
Vilfredo Pareto
Gaetano Mosca
Henri Bergson
Benedetto Croce
Georges Sorel
Rosa Luxemburg
Vladimir Lenin

Pensadores influenciados por Gramsci

Perry Anderson
José Carlos Mariátegui
Michael Hardt & Antonio Negri
Louis Althusser
Nikos Poulantzas
Cornelius Castoriadis
Hector P. Agosti
Fernando Neyra
Raymond Williams
David Harvey
Edward Said
Judith Butler
Ernesto Laclau & Chantal Mouffe
José Aricó
Juan Carlos Portantiero
Manuel Sacristán
Roger Garaudy
Robert W. Cox
Paulo Freire
Alfredo Jaar
Norberto Bobbio
Pier Paolo Pasolini
Giovanni Arrighi
Umberto Eco
José María Laso
José Maria Jardim
Carlos Nelson Coutinho
Luiz Werneck Vianna
Immanuel Wallerstein
Slavoj Zizek
Pierre Bourdieu
Terry Eagleton
Zygmunt Bauman
Atílio Borón
Marshall Berman
Domenico Losurdo
Leandro Konder
Críticas às ideias de Gramsci[editar]


Aspectos Positivos ressaltados por alguns autores

David Harris:
Gramsci é responsável pelo surgimento de uma sociologia crítica da cultura e pelo entendimento político da mesma.
Raymond Williams:
As formas de dominação e subordinação estão mais próximas do processo normal de organização e controle nas sociedades desenvolvidas do que a ideia de uma classe dominante, baseada em fases históricas anteriores e mais simples.
Paul Ransome:
Gramsci superou duas fraquezas centrais que existiam na abordagem original de Marx: 1- Marx enganara-se ao supor que o desenvolvimento social sempre tinha origem na estrutura econômica; 2- Marx demasiadamente acreditava na possibilidade do surgimento espontâneo de uma consciência revolucionária na classe trabalhadora.
Todd Gitlin:
A noção de cultura de Gramsci constituiu um grande avanço para teorias radicais, chamando atenção para as estruturas rotineiras do "senso comum", que funciona como sustentáculo para dominação de classe e tirania.

Aspectos Negativos de acordo com outros

Acusam-no alguns críticos de fomentar a noção de labuta pelo poder através das ideias. Para eles, a abordagem Gramsciana à análise filosófica, presente em controvérsias académicas, entra em atrito com uma introspecção mais liberal e aberta assente na leitura apolítica dos clássicos da cultura ocidental. Porém, difícil é creditar a Gramsci certas controvérsias actuais, posto que este nunca foi um académico e preocupava-se mais com a cultura, história e pensamentos italianos.
O legado político socialista de Gramsci é objecto de controvérsias. Togliatti, que liderou o Partido Comunista Italiano (PCI) após a Segunda Guerra Mundial e cujo gradualismo antecedeu o Eurocomunismo, alegava que as práticas do PCI durante aquele período estavam de acordo com o pensamento de Gramsci. Outros sugerem que se tratava de um comunista esquerdista, que, pela ascendência de Stalin, acabaria sendo expulso do seu partido, não tivesse sido preso antes.

No Brasil

No Brasil o pensamento de Gramsci teve basicamente dois tipos de repercussão: no meio acadêmico e no âmbito da organização dos partidos.

Nos Meios Acadêmicos

A primeira biografia de Gramsci no Brasil foi escrita por um dos intelectuais mais destacados e respeitados à época, o professor austro-brasileiro Otto Maria Carpeaux e publicada na Revista Civilização Brasileira , 7 de maio de 1966. Foi, todavia, na década seguinte que aconteceu a maior divulgação das obras de Gramsci, graças a Carlos Nelson Coutinho e Luiz Werneck Vianna, que defendeu sua tese de Doutoramento pela USP em 1975 com uma interpretação original da história Brasileira a partir de Gramsci e da história Italiana. Desde então, vários intelectuais têm discutido em profundidade as contribuições gramscianas, como Luiz Sérgio Henriques,10 Marco Aurélio Nogueira,11 Virginia Fontes12 e Sérgio Granja. No segundo semestre de 2004, Lincoln Secco,13 do Departamento de História da USP, ministrou o curso sobre “Gramsci e os fundamentos econômicos da ideia de revolução”, evento muito importante para avanço dos estudos gramscianos. Secco procurou apresentar Gramsci como pensador das questões econômicas e políticas de seu tempo, a partir de uma leitura original de Marx.
Influência nos Partidos Políticos: o Anti-centralismo[editar]
Das contribuições de Gramsci, a que teve maior impacto nos meios políticos diz respeito ao modo de organizar as lutas da esquerda. Gramsci opunha-se ao chamado centralismo, por razões que se explicam a seguir.
A ideia de vanguarda disciplinada e eficiente levou Lenin a formular, nas condições históricas da Rússia revolucionária, o princípio do centralismo democrático nos seguintes termos: quando um partido de esquerda precisa tomar uma decisão, deve reunir os seus membros, promover um debate livre, amplo, profundo, que permita o exame exaustivo da questão, para, finalmente, como coroamento do processo de discussão, colocar em votação as diversas posições em disputa. Esse é o momento da democracia. Uma vez consolidada uma maioria, a minoria a ela deve subordinar-se. Esse é o momento do centralismo. Daí a fórmula chamada centralismo democrático. Há quem diga que esta seja uma formulação leninista e não de Marx. Mas, em todo caso, tal tornou-se uma concepção de partido muito comum para a esquerda.
Na visão de Gramsci, este princípio serve para um contexto histórico, social, econômico e cultural que exija um tipo de atuação da esquerda, chamado “guerra de movimento” ou “guerra manobrada”. Este tipo de contexto é o que Gramsci chamou de “Oriente”. Deveras, Gramsci estabelece uma distinção fundamental entre “Oriente” e “Ocidente”:
“No Oriente, o Estado era tudo, a sociedade civil era primitiva e gelatinosa; no Ocidente, havia entre o Estado e a sociedade civil uma relação apropriada e, ao oscilar o Estado, podia-se imediatamente reconhecer uma robusta estrutura da sociedade civil. O Estado era apenas uma trincheira avançada, por trás da qual se situava uma robusta cadeia de fortalezas e casamatas; em medida diversa de Estado para Estado, é claro, mas exatamente isto exigia um acurado reconhecimento de carácter nacional.”
Em contraposição, no “Ocidente” a atuação dos partidos de esquerda demanda outra estratégia, para ter êxito, a chamada “guerra de posições”. Deduz-se daí a distinção entre “guerra de movimento” e “guerra de posição. No “Ocidente”, o Estado é “sociedade política + sociedade civil”, é “coerção + consentimento”, donde a formação social é solidamente articulada pela ideologia. Um partido de esquerda, em tais condições, precisa disputar a hegemonia na sociedade. Deste modo, um destacamento de vanguarda disciplinado já não teria eficácia nas condições da democracia política.
No Brasil, um grupo que se considera seguidor das ideias de Gramsci é a APS (Ação Popular Socialista), hoje uma corrente interna do PSOL.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Aristoteles


Aristóteles (em grego antigo: Ἀριστοτέλης, transl. Aristotélēs; Estagira, 384 a.C. — Atenas, 322 a.C.) foi um filósofo grego, aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande.2 Seus escritos abrangem diversos assuntos, como a física, a metafísica, as leis da poesia e do drama, a música, a lógica, a retórica, o governo, a ética, a biologia e a zoologia. Juntamente com Platão e Sócrates (professor de Platão), Aristóteles é visto como um dos fundadores da filosofia ocidental. Em 343 a.C. torna-se tutor de Alexandre da Macedónia, na época com 13 anos de idade, que será o mais célebre conquistador do mundo antigo. Em 335 a.C. Alexandre assume o trono e Aristóteles volta para Atenas, onde funda o Liceu.
Aristóteles ensinando Alexandre, o Grande gravura de Charles Laplante
Aristóteles era natural de Estagira, na Trácia, sendo filho de Nicômaco, amigo e médico pessoal do rei macedônio Amintas III, pai de Filipe II. É provável que o interesse de Aristóteles por biologia e fisiologia decorra da atividade médica exercida pelo pai e pelo tio, e que remontava há dez gerações.
Segundo a compilação bizantina Suda, Nicômaco era descendente de Nicômaco, filho de Macaão, filho de Esculápio.
Com cerca de 16 ou 17 anos partiu para Atenas, maior centro intelectual e artístico da Grécia. Como muitos outros jovens da época, foi para lá prosseguir os estudos. Duas grandes instituições disputavam a preferência dos jovens: a escola de Isócrates, que visava preparar o aluno para a vida política, e Platão e sua Academia, com preferência à ciência (episteme) como fundamento da realidade. Apesar do aviso de que, quem não conhecesse Geometria ali não deveria entrar, Aristóteles decidiu-se pela academia platônica e nela permaneceu vinte anos, até a morte de Platão , no primeiro ano da 108a olimpíada (348 a.C.).
Em 347 com a morte de Platão, a direção da Academia passa a Espeusipo que começou a dar ao estudo acadêmico da filosofia um viés matemático que Aristóteles (segundo opinião geral, um não-matemático) considerou inadequado , assim Aristóteles deixa Atenas e se dirige, provavelmente, primeiro a Atarneu convidado pelo tirano Hérmias e em seguida a Assos, cidade que fora doada pelo tirano aos platônicos Erasto e Corisco, pelas boas leis que lhe haviam preparado e que obtiveram grande sucesso.
Durante 347 a.C e 345 a.C, dirige uma escola em Assos, junto com Xenócrates, Erasto e Corisco e depois em 345/344 a.C. conhece Teofrasto e com sua colaboração dirige uma escola em Mitilene, na ilha de Lesbos e lá se casa com Pítias, neta de Hérmias , com quem teve uma filha, também chamada Pítias e Nicômaco. Em 343/342 a.C Filipe II escolhe Aristóteles como educador de seu filho Alexandre, então com treze anos. por intercessão de Hérmias.
Pouco se sabe sobre o período da vida de Aristóteles entre 341 a.C e 335 a.C, ainda que se questiona o período de tempo da tutela de Alexandre, alguns estimam em apenas dois ou três anos e outros em sete ou oito anos.
Em 335 a.C. Aristóteles funda sua própria escola em Atenas, em uma área de exercício público dedicado ao deus Apolo Lykeios, daí o nome Liceu.Os filiados da escola de Aristóteles mais tarde foram chamados de peripatéticos. Os membros do Liceu realizavam pesquisas em uma ampla gama de assuntos, os quais eram de interesse do próprio Aristóteles: botânica, biologia, lógica, música, matemática, astronomia, medicina, cosmologia, física, história da filosofia, metafísica, psicologia, ética, teologia, retórica, história política, do governo e da teoria política, retórica e as artes. Em todas essas áreas, o Liceu coletou manuscritos e assim, de acordo com alguns relatos antigos, se criou a primeira grande biblioteca da antiguidade.
Em 323 a.C, morre Alexandre e em Atenas começa uma forte reação antimacedônica, em 654 a.C. por causa de sua ligação com Alexandre, Aristóteles foge de Atenas e se dirige a Cálcides, onde sua mãe tinha uma casa, explicando, "Eu não vou permitir que os atenienses pequem duas vezes contra a filosofia" uma referência ao julgamento de Sócrates em Atenas. Ele morreu em Cálcis, na ilha Eubéia de causas naturais naquele ano.1 Aristóteles nomeou como chefe executivo seu aluno Antípatro e deixou um testamento em que pediu para ser enterrado ao lado de sua esposa.

Campos de estudo

Em 335 a.C. Aristóteles funda sua própria escola em Atenas, em uma área de exercício público dedicado ao deus Apolo Lykeios, daí o nome Liceu.
A escola de Aristóteles, afresco de Gustav Adolph Spangenberg, 1883-1888
A filosofia de Aristóteles dominou verdadeiramente o pensamente europeu a partir do século XII e a revolução cientifica iniciou-se no século XVI, somente onde a filosofia aristotélica foi dominante sobreveio uma revolução científica.
As afirmações científicas de Aristóteles são totalmente desmentidas nos dias de hoje e a principal razão disso é que nos séculos XVI e XVII os cientistas aplicaram métodos quantitativos ao estudo da natureza inanimada, assim a Física e a Química de Aristóteles são irremediavelmente inadequadas em comparação com o trabalhos dos novos cientistas.
Apesar do alcance abrangente que as obras de Aristóteles gozaram tradicionalmente, os acadêmicos modernos questionam a autenticidade de uma parte considerável do Corpus aristotelicum.

Lógica

A Lógica de Aristóteles, que ocupa seis de suas primeiras obras, constitui o exemplo mais sistemático de filosofia em dois mil anos de história. Sua premissa principal envolve uma teoria de caráter semântico desenvolvida por ele para servir de estrutura para a compreensão da veracidade de proposições. Foi por meio de sua lógica que se estabeleceu a primazia da lógica dedutiva.
Aristóteles sistematizou a lógica, definindo as formas de interferência que eram válidas e as que não eram - em outras palavras, aquilo que realmente decorre de algo e aquilo que só aparentemente decorre; e deu nomes a todas essas diferentes formas de interferências. Por dois mil anos, estudar lógica, significou estudar a lógica de Aristóteles.
A lógica, como disciplina intelectual, foi criada no século IV a. C por Aristóteles. Sua teoria do silogismo constitui o cerne de sua lógica e através dela tenta caracterizar as formas de silogismo e determinar quais deles são válidas e quais não, o que conseguiu com bastante sucesso. Como primeiro passo no desenvolvimento da lógica, a teoria do silogismo foi extremamente importante.26

Física

Aristóteles não reconhecia a ideia de inércia, ele imaginou que as leis que regiam os movimentos celestes eram muito diferentes daquelas que regiam os movimentos na superfície da Terra, além de ver o movimento vertical como natural, enquanto o movimento horizontal requeriria uma força de sustentação. Ainda sobre movimento e inércia, Aristóteles afirmou que o movimento é uma mudança de lugar e exige sempre uma causa, o repouso e o movimentos são dois fenômenos físicos totalmente distintos, o primeiro sendo irredutível a um caso particular do segundo.11 No livro II, Do Céu, ele afirma explicitamente que quando um objeto se desloca para seu estado natural o movimento não é causado por uma força, assim ele afirma que o movimento daquilo que está no processo de locomoção é circular, retilíneo ou uma combinação dos dois tipos.

Ótica

Na época de Aristóteles, a ótica matemática era ainda uma disciplina nova, contrariamente às outras matemáticas e especialmente à geometria, ele faz recorrentes referências à cor, à sua "unidade" e à sua constituição, nos mesmos contextos em que se fala de outros setores do real que pertencem a outras ciências matemáticas, e do que neles é unidade.
Aristóteles fez objeções à teoria de Empédocles e ao modelo de Platão que considerava que a visão era produzida por raios que se originavam no olho e que colidiam com os objetos então sendo visualizados. Ao refutar as teorias então conhecidas, ele formulou e fundamentou uma nova teoria, a teoria da transparência: a luz era essencialmente a qualidade acidental dos corpos transparentes, revelada pelo fogo.
Aristóteles sugeria que a ótica contempla uma teoria matemático-quantitativa da cor, que corresponde a uma teoria da medição da luz, assim ele afirma que a luz não era uma coisa material mas a qualidade que caracterizava a condição ou o estado de transparência: "Uma coisa se diz invisível porque não tem cor alguma, ou a tem somente em grau fraco"

Química

Os quatro elementos fundamentais segundo Aristóteles
Enquanto Platão, seu mestre, acreditava na existência de átomos dotados de formas geométricas diversas, Aristóteles negava a existência das partículas e considerava que o espaço estava cheio de continuum, um material divisível ao infinito.
Sua obra Meteorologia, sintetiza suas ideias sobre matéria e química, usando as quatro qualidades da matéria e os quatro elementos, ele desenvolveu explicações lógicas para explicar várias de suas observações da natureza. Para Aristóteles a matéria seria formada, não a partir de um único, mas por quatro elementos: terra, água, ar e fogo, mas existiria sim um substrato único para toda a matéria, mas que seria impossível de isolar - serviria apenas como um suporte que transmite quatro qualidades primárias: quente, frio, seco e úmido. A fundação da Alquimia se baseou nos ensinamentos de Aristóteles, curiosamente ele afirmou que as rochas e minerais cresciam no interior da Terra, assim com oos humanos, os mineirais tentavam alcançar um estado de perfeição através do processo de crescimento, a perfeição do mineral seria quando ele se torna-se ouro.

Astronomia

Aristóteles concorda com seu mestre (Platão) em considerar a astronomia uma ciência matemática em sentido pleno, não menos do que a geometria, ele também concordava que os movimentos estudados pela astronomia, como diz a A República, não se percebem "com a vista".
O cosmos aristotélico é apresentado como uma esfera gigantesca, porém finita, à qual se prendiam as estrelas, e dentro da qual se verificava uma rigorosa subordinação de outras esferas, que pertenciam aos planetas então conhecidos e que giravam em torno da Terra, que se manteria imóvel no centro do sistema (sistema geocêntrico).

Biologia

Considerado o fundador das ciências como uma disciplina, Aristóteles deixou obras naturalistas como História dos Animais, As partes dos animais, A geração dos animais e opúsculos como Marcha dos animais, Movimentos dos animais e Pequeno tratado de história natural e muitas outras obras sobre anatomia e botânica que se perderam e tratavam sobre o estudo de cerca de 400 animais que buscou classificar, tendo dissecado e cerca de 50 deles. Também realizou observações anatômicas, embriológicas e etológicas detalhadas de animais terrestres e aquáticos (moluscos e peixes), fez observações sobre cetáceos e morcegos. Embora suas conclusões sejam muitas vezes equivocadas atualmente, sua obra não deixa de ser notável. Seus escritos de biologia e zoologia correspondem a mais de uma quinta parte de sua obra, nelas trabalha sobre a noção de animal, a reprodução, a fisiologia e a classificação.
Segundo alguns cientistas da atualidade, Aristóteles teria "descoberto" o DNA, por ele identificar a forma, isto é, o eidos preexistente no pai que é reproduzido na prole.
Aristóteles foi quem iniciou os estudos científicos documentados sobre peixes sendo o precursor da ictiologia (a ciência que estuda os peixes), catalogou mais de cem espécies de peixes marinhos e descreveu seu comportamento. É considerado como elemento histórico da evolução da piscicultura e da aquariofilia,separou mamíferos aquáticos de peixes e sabia que tubarões e raias faziam parte de grupo que chamou de Selachē (Chondrichthyes).

O papel da mulher

A análise sobre a procriação de Aristóteles descreve um elemento masculino ativo, animante trazendo vida a um elemento do sexo feminino inerte e passivo. Por este motivo, as feministas acusam Aristóteles de misoginia38 e sexismo. No entanto, Aristóteles deu igual peso para a felicidade das mulheres assim com dos homens e comentou em sua obra A Retórica que uma sociedade não pode ser feliz a menos que as mulheres também estejam felizes. Sobre as mulheres, ainda disse que eram totalmente incapazes de serem amigas, e ele com certeza não esperava que a esposa se relacionasse com o marido em nível de igualdade.

O homossexualismo

Visto não contribuir para a fundação de famílias, Aristóteles tinha a homossexualidade em conta de desperdício, não apenas inútil, mas até perigoso. Porém, isso não significa que o a condenava sempre em toda parte, ele tomou em consideração as circunstancia em que era praticada, assim, em Creta, onde havia um problema de superpopulação, a relação entre o mesmo sexo era difundida, ele propôs que esse tipo de relação fosse regulamentada e tolerada pelo Estado, a fim de contornar a superpopulação, pois a ilha dispunha de poucos recursos. Em um fragmento sobre amor físico, embora referindo-se ao tema com indulgência, parece ter feito distinção entre a homossexualidade congênita anormal e o vício homossexual adquirido.

Metafísica

Platão e Aristóteles na Escola de Atenas (1509-1510), fresco de Rafael Sanzio, na Stanza della Segnatura, nos Museus Vaticanos
Ver também: Metafísica (Aristóteles)
O termo Metafísica não é aristotélico; o que hoje chamamos de metafísica era chamado por Aristóteles de "filosofia primeira", sendo por isso identificada com a teologia.
Não é fácil discutir a metafísica de Aristóteles, em parte porque está profusamente espalhada por toda a obra, e em parte por uma certa ausência de uma exposição bem detalhada.
A Metafísica de Aristóteles, é em essência, uma modificação da Teoria das ideias de Platão. Grande parte dessa obra parece uma tentativa de moderar as muitas extravagâncias de Platão. Seus dois principais aspectos são a distinção entre o "universal" e a mera "substância" ou "forma particular" e a distinção entre as três substâncias diferentes que formar a realidade cada uma com sua essência fundamental.

Psicologia

Na medida em que se ocupa das mais elaboradas entidades naturais, a psicologia foi considerada também o ápice da filosofia natural de Aristóteles. A palavra psychê (de que deriva nosso termo psicologia) costumar ser traduzida como "alma", e sobr a rubrica psyche Aristóteles de fato inclui as características dos animais superiores que pensadores posteriores tendem a a associar com a alma. Objeto geral da psicologia aristotélica é o mundo animado, isto é, vivente, que tem por princípio a alma e se distingue essencialmente do mundo inorgânico, pois, o ser vivo diversamente do ser inorgânico possui internamente o princípio da sua atividade, que é precisamente a alma, forma do corpo.
Muitas da hipóteses de Aristóteles sobre a natureza da lembrança e do esquecimentos deram origem a grande número de experimentos na área da aprendizagem. Sua doutrina da associação afirmava que a memória é facilitada quer pela semelhança e dessemelhança de um fato atual e um passado, quer por sua estreita relação no tempo e espaço.
Sua obra De Anima (Sobre a Alma) trata-se do primeiro objetivo em larga escala para estudar a psicologia. Muitas das questões que levanta continuam por responder até hoje, e ainda são objeto de exame. Aristóteles formulou teorias sobre desejos, apetites, dor e prazer, reações e sentimentos. Sua doutrina da catarse ensinava, por exemplo que os temores podem ser transferidos ao herói da tragédia - ideia que muita mais tarde veio formar uma das teses da psicanalise e da terapia do jogo.

Ética

Alguns vêem Aristóteles como o fundador da Ética, o que se justifica desde que consideremos a Ética como uma disciplina específica e distinta no corpo das ciências.Em suas aulas, Aristóteles fez uma análise do agir humano que marcou decisivamente o modo de pensar ocidental. O filósofo ensinava que todo o conhecimento e todo o trabalho visa a algum bem. O bem é a finalidade de toda a ação. A busca do bem é o que difere a ação humana da de todos os outros animais.
Para Aristóteles, estudamos a ética, a fim de melhorar nossas vidas e, portanto, sua preocupação principal é a natureza do bem-estar humano. Aristóteles segue Sócrates e Platão ao dispor as virtudes no centro de uma vida bem vivida. Como Platão, ele considera as virtudes éticas (justiça, coragem, temperança etc), como habilidades complexas racionais, emocionais e sociais, mas rejeita a ideia de Platão de que a formação em ciências e metafísica é um pré-requisito necessário para um entendimento completo de bem. Segundo ele, o que precisamos, a fim de viver bem, é uma apreciação adequada da maneira em que os bens tais como a amizade, o prazer, a virtude, a honra e a riqueza se encaixam como um todo. Para aplicar esse entendimento geral para casos particulares, devemos adquirir, através de educação adequada e hábitos, a capacidade de ver, em cada ocasião, qual curso de ação é mais bem fundamentada. Portanto, a sabedoria prática, como ele a concebe, não pode ser adquirida apenas ao aprender regras gerais, também deve se adquirida, através da prática e essas habilidades deliberativas, emocionais e sociais é que nos permitem colocar nossa compreensão geral de bem-estar em prática em formas que são adequados para cada ocasião.50

Retórica

Aristóteles de Francesco Hayez,1811
A retórica de Aristóteles teve uma enorme influência sobre o desenvolvimento da arte da retórica. Não apenas sobre os autores que escrevem na tradição peripatética, mas também os famosos professores romanas de retórica, como Cícero e Quintiliano, frequentemente usaram elementos decorrentes da doutrina aristotélica.
É na obra Retórica de Aristóteles que se assentam os primeiros dados cuja articulação passa a definir a Retórica como a "faculdade de descobri especulativamente sobre todo dado o persuasivo".
No proêmio do Livro I de sua Arte Retórica, ele se refere à possibilidade se ter uma técnica da retórica, de um método rigoroso não diferente do que seguem as ciências lógicas, políticas e naturais. É evidente a diferença entre as concepções de Aristóteles sobre a arte da oratória entre o Livro I e o Livro II, enquanto neste último destaca o estudo das paixões, desfazendo a caracterízação da retórica como puramente dialética, no Livro I Aristóteles valoriza a função da sedução da alma. A retórica deve ser portanto, demonstrativa e emocional.

Artes

Aristóteles concedia às artes uma importância valiosa, na medida em que poderiam reparar as deficiências da natureza humana, contribuindo na formação moral dos indivíduos.

Música

Em Política, Aristóteles questiona a participação da música na educação, pois sua associação imediata com o prazer faz com que o autor oponha a música a qualquer atividade, pois esta parece se adequear melhor ao desfrute no tempo livre. No decorre do texto, ele enfatiza que o ensino da música deve ter ênfase na escuta e não à prática instrumental, já que a execução de instrumentos se realciona aos trabalhos manuais, atividade imprópria para a educação de um homem livre. A obra Problemas constitui uma das mais antigas discussões sobre música, se no livro VII da Política Aristóteles procurou mostrar a importância da música na educação, no livro XIX de Problemas ele levanta questões de várias ordens: referentes à acústica, às escalas, aos intervalos, à voz, aos encordoamentos, aos harmônicos, aos tipos de composição etc, o autor levanta cinquenta problemas e a esses ele mesmo procura responder.

Poética

Aristóteles foi o primeiro filósofo a consagrar todo um tratado, ainda que incompleto, ao exame do fenômeno poético, a Arte Poética. Ele propunha-se a refletir acerca do objeto estético, ou antes, acerca da criação do objeto estético.
Em Arte Poética, o filósofo trata da arte poética a partir de duas perspectivas, a definição da poética como imitação e a apresentação da estrutura da poesia de acordo com suas diferentes espécies. No primeiro caso, reduz a essência da poética à imitação - que crê ser congênita no homem. A sua importância contudo, deriva do fato de que a mimese é capaz de fornecer, ao ser humano , dois elementos essenciais: prazer e conhecimento.
Aristóteles era um apurado colecionador sistemático de enigmas, folclores e provérbios, ele e sua escola tinham um interesse especial nos enigmas da Pítia e estudaram também as fábulas de Esopo.

Política

A política aristotélica é essencialmente unida à moral, porque o fim último do estado é a virtude, isto é, a formação moral dos cidadãos e o conjunto dos meios necessários para isso. O estado é um organismo moral, condição e complemento da atividade moral individual, e fundamento primeiro da suprema atividade contemplativa. A política, contudo, é distinta da moral, porquanto esta tem como objetivo o indivíduo, aquela a coletividade. A ética é a doutrina moral individual, a política é a doutrina moral social. Desta ciência trata Aristóteles precisamente na Política, de que acima se falou.
Em Ética a Nicômaco Aristóteles descreve o assunto como ciência política, que ele caracteriza como a ciência mais confiável. Ela prescreve quais as ciências são estudadas na cidade-estado, e os outros - como a ciência militar, gestão doméstica e retórica - caem sob a sua autoridade. Desde que rege as outras ciências práticas, suas extremidades servem como meios para o seu fim, que é nada mais nada menos do que o bem humano. A escravidão
Aristóteles não nega a natureza humana ao escravo60 , para ele a escravidão faz parte da própria natureza, de modo que o escravo nasce para ser escravo e é na sua função de escravo que ele realiza finalidade para a qual existe. Ele não sacrifica nada, pois sua natureza não exige mais do que compete na sociedade. Ele discorda da opinião daqueles que pretendem que o poder do patrão é contra a natureza, para ele, a natureza em vista da conservação, criou alguns seres para mandar e outros para obedecer, é ela que dispõe que o ser dotado de previdência mande como patrão, e que o ser, capaz por faculdades corporais execute ordens.

Obra


Começo do livro 7 da Metafísica de Aristóteles, traduzido para o latim por Guilherme de Moerbeke. Manuscrito do século 14
Ver artigo principal: Corpus aristotelicum
De acordo com a distinção que se origina com o próprio Aristóteles, seus escritos são divididos em dois grupos: os "exotéricos" e os "esotéricos". É difícil para muitos leitores modernos aceitar que alguém pudesse tão seriamente admirar o estilo daquelas obras atualmente disponíveis para nós. No entanto, alguns estudiosos modernos têm advertido que não podemos saber ao certo se o elogio de Cícero foi dirigido especificamente para as obras exotéricas. Alguns estudiosos modernos têm realmente admirado o estilo de escrita concisa encontrado nas obras existentes de Aristóteles.
As obras de Aristóteles que sobreviveram desde a antiguidade através da transmissão de manuscrito medieval são coletados no Corpus Aristotelicum. Esses textos, ao contrário de obras perdidas de Aristóteles, são tratados filosóficos técnicos de dentro da escola de Aristóteles. A referência a eles é feita de acordo com a organização da edição da obra de August Immanuel Bekker (Aristotelis Opera edidit Academia Regia Borussica, Berlin, 1831–1870) pela Academia Real da Prússia , que por sua vez é baseado em classificações antigas dessas obras. Acredita-se que a maior parte de sua obra tenha sido perdida, e apenas um terço de seus trabalhos tenham sobrevivido.

Legado

Mais de 2.300 anos depois de sua morte, Aristóteles continua sendo uma das pessoas mais influentes que já viveu. Ele contribuiu para quase todos os campos do conhecimento humano e foi o fundador de muitas áreas novas. De acordo com o filósofo Bryan Magee, "é duvidoso que qualquer ser humano saiba o tanto quanto ele sabia".Entre inúmeras outras conquistas, Aristóteles foi o fundador da lógica formal e pioneiro no estudo da Zoologia, deixando cada futuro cientista e filósofo antecipadamente em débito consigo por suas contribuições para o método científico.68 Apesar dessas conquistas, a influência dos erros de Aristóteles é considerada por alguns como tendo sido de grande impecílio para o desenvolvimento da ciência. Bertrand Russell observa que "quase todo o avanço intelectual sério teve de começar com um ataque a alguma doutrina aristotélica". Russell também se refere à ética de Aristóteles como "repulsiva", e sobre sua lógica disse ser "definitivamente antiquada como a astronomia ptolomaica".

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Literatura de Cordel

Os folhetos à venda, pendurados em cordéis
Literatura de cordel também conhecida no Brasil como folheto, é um gênero literário popular escrito frequentemente na forma rimada, originado em relatos orais e depois impresso em folhetos. Remonta ao século XVI, quando o Renascimento popularizou a impressão de relatos orais, e mantém-se uma forma literária popular no Brasil. O nome tem origem na forma como tradicionalmente os folhetos eram expostos para venda, pendurados em cordas, cordéis ou barbantes em Portugal. No Nordeste do Brasil o nome foi herdado, mas a tradição do barbante não se perpetuou: o folheto brasileiro pode ou não estar exposto em barbantes. Alguns poemas são ilustrados com xilogravuras, também usadas nas capas. As estrofes mais comuns são as de dez, oito ou seis versos. Os autores, ou cordelistas, recitam esses versos de forma melodiosa e cadenciada, acompanhados de viola, como também fazem leituras ou declamações muito empolgadas e animadas para conquistar os possíveis compradores. Para reunir os expoentes deste gênero literário típico do Brasil, foi fundada em 1988 a Academia Brasileira de Literatura de Cordel, com sede no Rio de Janeiro.
Literatura na forma de folhetos ou panfletos tem sido usada ao longo de séculos, como meio económico. Folheto holandês de 1637, durante a tulipomania
A história da literatura de cordel começa com o romanceiro do Renascimento, quando se iniciou impressão de relatos tradicionalmente orais feitos pelos trovadores medievais, e desenvolve-se até à Idade Contemporânea. O nome cordel está ligado à forma de comercialização desses folhetos em Portugal, onde eram pendurados em cordões, chamados de cordéis.1 Inicialmente, eles também continham peças de teatro, como as de autoria de Gil Vicente (1465-1536). Foram os portugueses que introduziram o cordel no Brasil desde o início da colonização.
Evolução no Brasil
Na segunda metade do século XIX começaram as impressões de folhetos brasileiros, com suas características próprias. Os temas incluem fatos do cotidiano, episódios históricos, lendas , temas religiosos, entre muitos outros. As façanhas do cangaceiro Lampião (Virgulino Ferreira da Silva, 1900-1938) e o suicídio do presidente Getúlio Vargas (1883-1954) são alguns dos assuntos de cordéis que tiveram maior tiragem no passado. Não há limite para a criação de temas dos folhetos. Praticamente todo e qualquer assunto pode virar cordel nas mãos de um poeta competente.
No Brasil, a literatura de cordel é produção típica do Nordeste, sobretudo nos estados de Pernambuco, da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará. Costumava ser vendida em mercados e feiras pelos próprios autores. Hoje também se faz presente em outros Estados, como Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. O cordel hoje é vendido em feiras culturais, casas de cultura, livrarias e nas apresentações dos cordelistas.
O grande mestre de Pombal, Leandro Gomes de Barros, que nos emprestou régua e compasso para a produção da literatura de cordel, foi de extrema sinceridade quando afirmou na peleja de Riachão com o Diabo, escrita e editada em 1899:
"Esta peleja que fiz
não foi por mim inventada,
um velho daquela época
a tem ainda gravada
minhas aqui são as rimas
exceto elas, mais nada."
Oriunda de Portugal, a literatura de cordel chegou no balaio e no coração dos nossos colonizadores, instalando-se na Bahia e mais precisamente em Salvador. Dali se irradiou para os demais estados do Nordeste. A pergunta que mais inquieta e intriga os nossos pesquisadores é "Por que exatamente no nordeste?". A resposta não está distante do raciocínio livre nem dos domínios da razão. A primeira capital da nação foi Salvador, ponto de convergência natural de todas as culturas, permanecendo assim até 1763, quando foi transferida para o Rio de Janeiro.
Na indagação dos pesquisadores no entanto há lógica, porque os poetas de bancada ou de gabinete, como ficaram conhecidos os autores da literatura de cordel, demoraram a emergir do seio bom da terra natal. Mais tarde, por volta de 1750 é que apareceram os primeiros vates da literatura de cordel oral. Engatinhando e sem nome, depois de relativo longo período, a literatura de cordel recebeu o batismo de poesia popular.
Foram esses bardos do improviso os precursores da literatura de cordel escrita. Os registros são muito vagos, sem consistência confiável, de repentistas ou violeiros antes de Manoel Riachão ou Mergulhão, mas Leandro Gomes de Barros, nascido no dia 19 de novembro de 1865, teria escrito a peleja de Manoel Riachão com o Diabo, em fins do século passado.
Sua afirmação, na última estrofe desta peleja (ver em detalhe) é um rico documento, pois evidencia a não contemporaneidade do Riachão com o rei dos autores da literatura de cordel. Ele nos dá um amplo sentido de longa distância ao afirmar: "Um velho daquela época a tem ainda gravada".
Os poetas Leandro Gomes de Barros (1865-1918) e João Martins de Athayde (1880-1959) estão entre os principais autores do passado.
Carlos Drummond de Andrade, reconhecido como um dos maiores poetas brasileiros do século XX, assim definiu, certa feita, a literatura de cordel: "A poesia de cordel é uma das manifestações mais puras do espírito inventivo, do senso de humor e da capacidade crítica do povo brasileiro, em suas camadas modestas do interior. O poeta cordelista exprime com felicidade aquilo que seus companheiros de vida e de classe econômica sentem realmente. A espontaneidade e graça dessas criações fazem com que o leitor urbano, mais sofisticado, lhes dedique interesse, despertando ainda a pesquisa e análise de eruditos universitários. É esta, pois, uma poesia de confraternização social que alcança uma grande área de sensibilidade".
A literatura de cordel apresenta vários aspectos interessantes e dignos de destaque:
As suas gravuras, chamadas xilogravuras, representam um importante espólio do imaginário popular;
Pelo fato de funcionar como divulgadora da arte do cotidiano, das tradições populares e dos autores locais (lembre-se a vitalidade deste gênero ainda no nordeste do Brasil), a literatura de cordel é de inestimável importância na manutenção das identidades locais e das tradições literárias regionais, contribuindo para a perpetuação do folclore brasileiro;
Pelo fato de poderem ser lidas em sessões públicas e de atingirem um número elevado de exemplares distribuídos, ajudam na disseminação de hábitos de leitura e lutam contra o analfabetismo;
A tipologia de assuntos que cobrem, crítica social e política e textos de opinião, elevam a literatura de cordel ao estandarte de obras de teor didático e educativo.

Narrativa

Os textos considerados romances na literatura de cordel possuem alguns traços em comum quanto à sua narrativa. Os recursos narrativos mais utilizados nesses cordéis são as descrições dos personagens em cena e os monólogos com queixas, súplicas, rogos e preces por parte do protagonista.
São histórias que têm como ponto central uma problemática a ser resolvida através de inteligência e astúcia para atingir um objetivo. No romance romântico, a problemática envolve elementos relacionados ao imaginário europeu – duques, condes, castelos –, apropriados e adaptados pela literatura oral brasileira.
O herói sofrerá, vivendo em desgraça e martírio, sempre fiel ao seu amor ou às suas convicções, mesmo com as intempéries. É comum a intriga envolver jovens que enfrentam problemas na escolha de seus companheiros, em relações familiares extremamente hierarquizadas. Objeção, proibição do namoro, noivados arranjados são algumas das dificuldades que impedem o jovem casal apaixonado de ficar junto ao longo do romance.
Ao fim de tudo, o herói será exaltado e os opositores humilhados. Se assim não for, haverá outro meio de equilibrar a situação, que durante quase toda a narrativa permaneceu desfavorável ao protagonista.

Poética

Quadra
Estrofe de quatro versos. A quadra iniciou o cordel, mas hoje não é mais utilizada pelos cordelistas. Porém as estrofes de quatro versos ainda são muito utilizadas em outros estilos de poesia sertaneja, como a matuta, a caipira, a embolada, entre outros.
A quadra é mais usada com sete sílabas. Obrigatoriamente tem que haver rima em dois versos (linhas). Cada poeta tem seu estilo. Um usa rimar a segunda com a quarta. Exemplo:
Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá (2)
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá (4).
Outro prefere rimar todas as linhas, alternando ou saltando. Pode ser a primeira com a terceira e a segunda com a quarta, ou a primeira com a quarta e a segunda com a terceira. Vejamos estes exemplos de Zé da Luz:
E nesta constante lida
Na luta de vida e morte
O sertão é a própria vida
Do sertanejo do Norte
Três muié, três irimã,
Três cachorra da mulesta
Eu vi nun dia de festa
No lugar Puxinanã.

Sextilha

É a mais conhecida. Estrofe ou estância de seis versos. Estrofe de seis versos de sete sílabas, com o segundo, o quarto e o sexto rimados; verso de seis pés, colcheia, repente. Estilo muito usado nas cantorias, onde os cantadores fazem alusão a qualquer tema ou evento e usando o ritmo de baião. Exemplo:
Quem inventou esse "S"
Com que se escreve saudade
Foi o mesmo que inventou
O "F" da falsidade
E o mesmo que fez o "I"
Da minha infelicidade
Septilha[editar]
Estrofe (rara) de sete versos; setena (de sete em sete). Estilo muito usado por Zé Limeira, o Poeta do Absurdo.
Eu me chamo Zé Limeira
Da Paraiba falada
Cantando nas escrituras
Saudando o pai da coaiada
A lua branca alumia
Jesus, Jose e Maria
Três anjos na farinhada.
Napoleão era um
Bom capitão de navio
Sofria de tosse braba
No tempo que era sadio,
Foi poeta e demagogo
Numa coivara de fogo
Morreu tremendo de frio.
Na septilha usa-se o estilo de rimar os segundo, quarto e sétimo versos e o quinto com o sexto, podendo deixar livres o primeiro e o terceiro.

Oitava

Estrofe ou estância (grupo de versos que apresentam, comumente, sentido completo) de oito versos: oito-pés-em-quadrão. Oitavas-a-quadrão. Como o nome já sugere, a oitava é composta de oito versos (duas quadras), com sete sílabas. A rima na oitava difere das outras. O poeta usa rimar a primeira com a segunda e terceira, a quarta com a quinta e oitava e a sexta com a sétima.
Quadrão[editar]
Oitava na poesia popular, cantada, na qual os três primeiros versos rimam entre si, o quarto com o oitavo, e o quinto, o sexto e o sétimo também entre si.
Todas as estrofes são encerradas com o verso: Nos oito pés a quadrão. Vejamos versos de uma contaria entre José Gonçalves e Zé Limeira: - (AAABBCCB)
Gonçalves:
Eu canto com Zé Limeira
Rei dos vates do Teixeira
Nesta noite prazenteira
Da lua sob o clarão
Sentindo no coração
A alegria deste canto *
Por isso é que eu canto tanto *
NOS OITO PÉS A QUADRÃO
Limeira:
Eu sou Zé Limeira e tanto
Cantando por todo canto
Frei Damião já é santo
Dizendo a santa missão
Espinhaço e gangão
Batata de fim de rama *
Remédio de velho é cama *
NOS OITO PÉS A QUADRÃO.

Décima

Estrofe de dez versos, com dez ou sete sílabas, cujo esquema rimático é, mais comumente, ABBAACCDDC, empregada sobretudo na glosa dos motes, conquanto se use igualmente nas pelejas e, com menos frequência, no corpo dos romances.
Geralmente nas pelejas é dado um mote para que os violeiros se desdobrem sobre o mesmo. Vejamos e exemplo com José Alves Sobrinho e Zé Limeira:
Mote:
VOCÊ HOJE ME PAGA O QUE TEM FEITO
COM OS POETAS MAIS FRACOS DO QUE EU.
Sobrinho:
Vou lhe avisar agora Zé Limeira <A
Dizem que quem avisa amigo é >B
Vou lhe amarrar agora a mão e o pé >B
E lhe atirar naquela capoeira <A
Pra você não dizer tanta besteira <A
Nesta noite em que Deus nos acolheu >C
Você hoje se esquece que nasceu >C
E se lembra que eu sou bom e perfeito >D
Você hoje me paga o que tem feito >D
Com os poetas mais fracos do que eu. >C
Zé Limeira:
Mais de trinta da sua qualistria
Não me faz eu correr nem ter sobrosso
Eu agarro a tacaca no pescoço
E carrego pra minha freguesia
Viva João, viva Zé, viva Maria
Viva a lua que o rato não lambeu
Viva o rato que a lua não roeu
Zé Limeira só canta desse jeito
Você hoje me paga o que tem feito
Com os poetas mais fracos do que eu.

Martelo

Estrofe composta de decassílabos, muito usada nos versos heroicos ou mais satíricos, nos desafios. Os martelos mais empregados são o gabinete e o agalopado.
Martelo agalopado - Estrofe de dez versos decassílabos, de toada violenta, improvisada pelos cantadores sertanejos nos seus desafios.
Martelo de seis pés, galope - Estrofe de seis versos decassilábicos. Também se diz apenas agalopado.
Galope à beira-mar[editar]
Estrofe de 10 versos hendecassílabos (que tem 11 sílabas), com o mesmo esquema rímico da décima clássica, e que finda com o verso "cantando galope na beira do mar" ou variações dele. Termina, sempre, com a palavra "mar".
Às vezes, porém, o primeiro, o segundo, o quinto e o sexto versos da estrofe são heptassílabos, e o refrão é "meu galope à beira-mar". É considerado o mais difícil gênero da cantoria nordestina, obrigatoriamente tônicas as segunda, quinta, oitava e décima primeira sílabas.
Sobrinho:
Provo que eu sou navegador romântico
Deixando o sertão para ir ao mirífico
Mar que tanto adoro e que é o Pacífico
Entrando depois pelas águas do Atlântico
E nesse passeio de rumo oceânico
Eu quero nos mares viver e sonhar
Bonitas sereias desejo pescar
Trazê-las na mão pra Raimundo Rolim
Pra mim e pra ele, pra ele e pra mim
Cantando galope na beira do mar.
Limeira:
Eu sou Zé Limeira, caboclo do mato
Capando carneiro no cerco do bode
Não gosto de feme que vai no pagode
O gato fareja no rastro do rato
Carcaça de besta, suvaco de pato
Jumento, raposa, cancão e preá
Sertão, Pernambuco, Sergipe e Pará
Pará, Pernambuco, Sergipe e Sertão
Dom Pedro Segundo de sela e gibão
Cantando galope na beira do mar.

Redondilha

Antigamente, quadra de versos de sete sílabas, na qual rimava o primeiro com o quarto e o segundo com o terceiro, seguindo o esquema abba.
Hoje, verso de cinco ou de sete sílabas, respectivamente redondilha menor e redondilha maior.
Carretilha[editar]
Literatura popular brasileira - Décima de redondilhas menores rimadas na mesma disposição da décima clássica; miudinha, parcela, parcela-de-dez.
Métrica e Rima[editar]

Métrica:
Arte que ensina os elementos necessários à feitura de versos medidos. Sistema de versificação particular a um poeta. Contagem das sílabas de um verso. Verso é a linguagem medida. Para medir devemos ajuntar as palavras em número prefixado de pés. Chama-se pé uma sílaba métrica. O verso português pode ter de duas a doze sílabas. Os mais comuns são os de seis, sete, oito, dez e doze pés. Como o verso mais comum, mais espontâneo é o de sete pés, comecemos nele a contagem métrica. Exemplo:
Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá.
Eis como se contam as sílabas:
Mi | nha | ter | ra |tem | pal | mei|
Não contamos a sílaba final "ras" porque o verso acaba no último acento tônico. O verso a quem sobra uma sílaba final chama-se grave. Aquele a quem sobram duas sílabas finais chama-se esdrúxulo. O terminado por palavra oxítona chama-se agudo, como o segundo e o quarto do exemplo supra. Eis como se decompõe o segundo verso:
On | de | can | ta o | sa | bi |á|
Nesse verso "ta o" se leem como t'o formando um pé, pela figura sinalefa (fusão) . Sabiá, modernamente, se deve contar dissílabo, porque biá, em duas silabas, forma hiato. Em geral devemos sempre evitar o hiato, quer intraverbal, quer interverbal. Os autores antigos e os modernos pouco escrupulosos toleram muitos hiatos.
Sinalefa:
Figura pela qual se reúnem duas sílabas em uma só, por elisão, crase ou sinérese.
Sinérese:
Contração de duas sílabas em uma só, mas sem alteração de letras nem de sons, como, p. ex., em reu-nir, pie-da-de, em vez de re-u-nir, pi-e-da-de.
As| aves | que a| qui | gor| jei |
Não | gor | jei| am | co | mo | lá |
No caso o verso é um heptassílabo, porque só contamos sete sílabas. Se colocarmos uma sílaba a mais ou a menos em qualquer dos versos, fica dissonante e perde a beleza e harmonia.
Vale lembrar que quando a palavra seguinte inicia com vogal, dependendo do caso, pode haver a junção da sílaba da primeira com a segunda, como se faz na língua francesa. Exemplo:
Para verificar a quantidade de silabas podemos contar nos dedos. Vejamos neste trechinho de Patativa do Assaré:
Nes | ta | noi | te | pas | sa | gei | ra
1 2 3 4 5 6 7
Há | coi| sa | que | mui | to | pas | ma
1 2 3 4 5 6 7
Um mote:
Vou | fa | zer | se | re | na | ta | na | cal | ça | da
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Da | me | ni | na | que a | mei | na | mi | nha | vi | da
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Rima

Rimas consoantes:
As que se conformam inteiramente no som desde a vogal ou ditongo do acento tônico até a última letra ou fonema. Exemplo: fecundo e mundo; amigo e contigo; doce e fosse; pálido e válido; moita e afoita.
Rimas toantes:
Aquelas em que só há identidade de sons nas vogais, a começar das vogais ou ditongos que levam o acento tônico, ou, algumas vezes, só nas vogais ou ditongos da sílaba tônica. Exemplo: fuso e veludo; cálida e lágrima; "Sem propósito de sonho / nem de alvoradas seguintes, / esquece teus olhos tontos / e teu coração tão triste." Cecília Meireles, Obra Poética, p. 516.
No caso da literatura de cordel nordestina, faz parte da tradição do gênero o uso de rimas consoantes. Se um folheto de cordel usa rimas toantes, o conhecedor de cordel pensa logo que o autor daquele folheto desconhece a existência destas regras. Um cordel escrito assim pode até ser um grande poema, mas não se pode dizer que se trata de 'um cordel autêntico'.